Certo dia, um rei, chegando numa aldeia viu o rabi ensinar aos seus discípulos. Eles estavam todos sentados em círculo ao redor do mestre. O rei ficou curioso e disse ao rabi: - O senhor talvez, não saiba, mas estas pessoas estão colocadas em círculo exatamente como eu coloco a minha corte, ao meu redor. O senhor também conhece a ordem das coisas? – O rabi respondeu: - Eu não sei como o senhor dispõe a sua corte, mas, se me explicar, talvez eu entenda – O rei continuou: - No primeiro circulo eu coloco aqueles que gozam dos meus favores, os que me são mais próximos. O segundo círculo é reservado para os dignitários da corte e os embaixadores. O terceiro círculo, o mais longe, é para as pessoas de menor importância. - O rabi replicou: - Aqui as coisas funcionam de maneira muito diferente. Aqueles sentados ao meu redor são os surdos, assim eles também podem ouvir. O grupo que está no meio é formado pelos ignorantes; assim eles podem prestar mais atenção aos meus ensinamentos. Enfim o último círculo, o mais longe, é para aqueles que já conhecem a Lei; assim não lhes faz mal se perderem algumas das minhas palavras. -Com esta história quero aproveitar para lembrar a todos que estaremos começando, na próxima quarta feira, os Círculos Bíblicos na nossa Diocese. Nada de muito novo. Algumas paróquias e comunidades já estavam vivendo esta experiência há muitos anos. Também no tempo da Quaresma, durante a campanha da Fraternidade, sempre tivemos cartilhas para ajudar nas reuniões. Este é um tempo muito bom para nos animar e nos encontrar a rezar e a refletir. Contudo, desta vez, temos algumas novidades. Precisamos abrir as nossas casas para acolher os vizinhos ou sair delas para encontrar os outros, na nossa rua, na quadra onde moramos. Os Círculos Bíblicos devem acontecer com espírito missionário, com muita disposição para a escuta da Palavra de Deus e muita boa vontade para fazer amigos e amigas, para sair, enfim, do nosso comodismo. Parece que temos vergonha de dizer aos outros que somos católicos e que estamos felizes com isso. Está nos faltando alegria e entusiasmo na comunicação da nossa fé.A disposição do grupo deve ser mesmo em círculo, para poder se olhar e prestar atenção. É bom mesmo que os “surdos” fiquem bem na frente, para não perder nada do que será dito. Sobre tudo se entendemos que, para alguns, a Palavra de Deus será uma verdadeira novidade e a partilha das reflexões dos irmãos os surpreenderá pela sinceridade e a franqueza. Os “ignorantes”, do segundo círculo da historinha, desculpem, somos todos nós, quando pensamos de saber tudo e não queremos que a Palavra do Senhor nos questione sobre os nossos pensamentos e ações. Ao redor da Palavra, os “favoritos” devem ser, justamente, aqueles que mais precisam, aqueles que buscam entender. Estar bem na frente da Palavra, neste caso, não será um privilégio, mas uma graça, uma oportunidade que o Senhor nos dará.Nestas semanas da Quaresma o assunto dos Círculos Bíblicos será o mesmo da Campanha da Fraternidade. Refletir sobre a segurança pública obriga-nos a reconhecer tantas formas de violência das quais somos vítimas, mas também causa, com consciência ou não, com interesse e esperteza ou não. O resultado é que da violência somente podem vir agressividade, revolta, desprezo, exclusão e medo. A paz só pode ser fruto da justiça, isto é, de relações fraternas e respeitosas da vida de todos. Vamos começar com os nossos Círculos nos conhecendo mais e melhor, poderemos ser mais amigos. A paz começa nas nossas famílias, nas nossas casas, nas nossas ruas. A paz se fortalece quando não são somente discursos ou promessas humanas, mas a própria Palavra de Deus. Afinal a paz é mais um nome que podemos dar ao grande projeto do Reino de Deus. Quem quer deixar de ser “surdo” ou “ignorante”, aproxime-se mais. Se quiser, ouvirá bem e com clareza.
*Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá - articulista do Jornal do Dia