segunda-feira, 1 de junho de 2009

O frio por dentro



Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá


Após um desastre, seis pessoas se encontraram na escuridão, numa noite gelada, numa ilha deserta. Cada uma segurava um pedaço de madeira na mão. Não tinha outra lenha naquele lugar perdido no meio do mar. No centro, um pequeno fogo estava se apagando por falta de combustível. O frio era cada vez mais insuportável. Era o preciso fazer alguma coisa. A primeira pessoa era uma mulher branca. Numa rápida olhada ela viu o rosto de um homem de pele escura. Pensou que não valia a pena gastar o seu pedaço de madeira para quem, talvez, nem trabalhasse; sem dúvida ele era um vagabundo. Apertou a lenha mais ainda na mão. O homem que estava ao seu lado viu outro que não era do mesmo partido, sentiu ódio e resolveu segurar o seu pedaço de madeira. “Nunca ajudar o inimigo”, pensou. A terceira pessoa era mal vestida, estava com um agasalho muito sujo e escondia, por baixo dele, o seu pedaço de madeira. Com certeza o seu vizinho era um homem rico. Não iria dar o pouco do que tinha a quem não faltava nada. O rico, por sua vez, estava sentado, pensando nas suas riquezas, nas mansões, nas empresas, nas contas nos bancos. Estava ocupado com o celular tentando inutilmente fazer uma ligação. A bateria havia descarregado. Achou que devia guardar o seu pedaço de madeira para depois. Era mais seguro. O homem do rosto escuro sentiu certo gosto de vingança. Agora todos estavam com frio, sem nenhuma distinção ou privilegio. Não ia colaborar, não. Quantas vezes o haviam desprezado pela cor da sua pele. Segurou com raiva o seu pedaço de madeira. O último era um homem desconfiado. Não fazia nada sem ganhar alguma coisa. Podia até fazer um bom negócio naquela situação, mas, de graça, não dava o seu pedaço de lenha, de jeito nenhum. Também ele o segurou firme na mão. No dia seguinte, quando chegou a equipe de resgate, os seis foram encontrados mortos por causa do frio. Cada um segurava um pedaço de madeira na mão, e o fogo já estava apagado havia muito tempo. Não foi o frio por fora que os matou, mas o frio por dentro, que havia tomado conta dos seus corações.
No dia de Pentecostes, os Atos dos Apóstolos apresentam a chegada do Espírito Santo com os sinais do vento e do fogo. Ambos são sinais bíblicos, bem fáceis para ser compreendidos. O vento nos lembra a força e a liberdade. O fogo recorda a luz e o calor. Sem energias e sem espaço não vamos a lugar nenhum. Mas também sem claridade e sem entusiasmo, ficamos parados e inseguros.
O dom do Espírito Santo é o fogo da missão. Representa a coragem de sair da nossa acomodação, a vontade de comunicar a alegria da boa notícia de Jesus. Algo de tão forte que não dá mais para segurar, deve mesmo ser manifestado.
Esse fogo é dado a todos, está guardado no fundo do nosso coração. Só se manifesta por fora se o mantivermos aceso e alimentado por dentro. Se o deixarmos apagar ficamos frios e indiferentes. Não entendemos mais porque deveríamos nos animar. Pensamos que não temos nada de importante para comunicar aos outros; consideramos perda de tempo pensar em Deus e no próximo. Rezar também seria totalmente inútil. Participar da comunidade: ocupação para desocupados. Ajudar os pobres, um desperdício.
Para reanimar esse fogo precisamos aprender a doar algo de nós, algo de que os outros precisem. Ao nosso redor há muitos irmãos na mesma situação. Estão sozinhos, fechados, olhando somente para si. Muitos sofrem porque ninguém os procura; ninguém os visita. É urgente quebrar esses muros com gestos de aproximação, de diálogo, de solidariedade. O frio do egoísmo, da indiferença e da insensibilidade pode matar tanto quanto a violência, o ódio e a exclusão.
No dia de Pentecostes Jesus repete para nós: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo”. Se não queremos morrer todos de frio, cabe a nós não deixar apagar nunca o fogo do Espírito, o fogo da missão, o fogo do amor.